sábado, 12 de junho de 2010

Os humoristas são uns cretinos!

Dia desses, em meio a um velório, sentando e prostrado numa capela do São Miguel e Almas, chorando por dentro diante da perda prematura de um amigo muito querido, percebi que a alma de um humorista é imune às intempéries da vida. Note bem cara amigo, o humorista (pessoa físcia) é sucetível às tristezas proporcionadas pelas perdas, mas sua alma, esta é imaculadamente imune.
Da poltrona onde estava, reflexivo, comecei a reparar nas atitudes das pessoas que chegavam para as ezéquias. Contritas. Sizudas. Respeitosas. Pesarosas. Tristes. Incrédulas. Mas notei, também que quase todas ao entrar ou ao sair da capela iam até aquele livro de presença que fica colocado logo na ante-sala. Paravam diante da ata e assinavam o livro de presenças, não sem antes colocar ali o nome e o endereço.
Com a curiosidade aos gritos fui também até o livro. Fiquei por instantes fitando o seu conteúdo e imaginando o real significado daquilo. Falso desinteressado, questionei a real necesidade daquele registro um pouco mórbido para o meu gosto. Embora estranho, existem livros de presenças em exposições de arte, em assembléias deliberativas, em reuniões de condomínios (adoro reuniões de condominio - são fontes inesgotáveis de piadas galhofentas - mas isto é papo para outro dia), mas em velório, para o que serviria mesmo?
Busquei algum conhecido mais íntimo e, discreto, perguntei para quê
mesmo servia aquele livro? Por incrível que possa parecer meu amigo sabia: para que a família enlutada, após algum tempo, envie uma correspondência agradecendo a presença e as condolências.
Foi exatamente aí que minha veia de comediante ficou saltada já querendo saltar pescoço afora.
Humorista de estirpe, mesmo diante do passamento de um amigo mais do que querido, fiquei imaginando que ali estava a redenção do marido infiel.
Imaginei a cena: o sujeito está naqueles dias em que precisa cair na gandaia. Surfar pela noite. Delinqüir na madrugada. Chega em casa na hora de sempre, após longo e estafante dia de trabaho. Corre para o obituário do jornal e escolhe, aleatoriamente, um anúncio fúnebre, cujo enterro acontecerá somente na manhã do próximo dia. Escolhe sua melhor cara de pau e, com a voz embargada vai até a esposa e diz: olha querida, morreu o Fulano, velho amigo da escola, pessoa com a qual não convivia, mas por quem nutria grande amizade e carinho. Depois deste blá-blá-blá já entra direto no plano propriamente dito: "não tem jeito meu amor, vou ter que dar uma passada no velório. Não vou ficar muito, só o suficiente para prestar minha solidariedade. Se eu demorar não se assuste".
Pronto: o cara vai tomar seu banho. Perfumezinho. Roupinha legal e sai de casa. Com requintes de "caradurismo" ainda dá um beijo na esposa e reclama da chatice de ir a um cemitério numa noite fria daquelas. Pega o carro e vai para o velório de uma pessoa que nunca viu na vida e cuja intimidade só privou por breves segundos através do anúncio fúnebre e do convite para o seu sepultamento. Chega na capela, corre para o tal livro onde aponta o nome com o endereço correto, assina e se manda rápido rumo às diversões mundanas. Volta prá casa na madrugada alta. Dá um beijo na esposa e vai dormir o sono dos justos.
No outro dia a esposa pergunta pelo velório e é abastecida por detalhes mórbidos, chorosos e tristonhos.
Fica desconfiada, é verdade, mas sucumbe alguns dias depois quando chega a correspondência com os já tradicionais dizeres: "a família enlutada de Fulano de Tal agradece o apoio nesta hora tão difícil e etc e tal.
Álibi perfeito. Crime Perfeito.
Estes homens são mesmo uns cretinos. Os humoristas também

Um comentário:

Anônimo disse...

Ha ha ha muito bom!
Nada melhor que um velório para aguçar nossa veia cômica.
Já fica de tema para a próxima peça, seria hilário!
bjão Zé