segunda-feira, 23 de agosto de 2010

TÔ SEM PARCERIA

Sou um boêmio que não bebe. Estranho né?
Amigos apontam uma falha no meu caráter.
A esposa, em jantares invernais, me olha com pena por eu não estar saboreando aquela taça de vinho tinto chileno.
O Tarcisinho tem como meta que eu o acompanhe numa dose de Jack Danniels.
Meus filhos não compreendem de jeito nenhum.
Vou tentar explicar, se é que alguem comprenderá: como qualquer adolescente, bebia para acompanhar a turma. Bebia nos fins de semana. Bebia nas festinhas. Enfim, bebia.
Quando eu tinha uns dezenove anos fui convidado para uma festa à fantasia. Acho que a minha era de porteiro. Dei uns goles no soctch do meu pai e saí prontinho de casa. Cheguei na tal festinha e passei a noite inteira parado na porta pedindo o convite dos que chegavam. Foi muito divertido. Lembro que tomei um porre monumental e que tive um ataque de fígado tão grande que me fez prometer que ficaria sem beber por duas semanas. Passado o prazo, resolvi ficar mais uma semana sem álcool e depois mais uma e mais uma e mais uma e... passados 32 anos eu continuo lembrando do mal-estar do fígado, o que me faz prorrogar mais uma semana a minha volta às lidas etílicas.
Agora vamos aos esclarecimentos necessários:
1. Não bebo porque não quero e não porque sou um alcolista que frequenta os AA, como muitos podem pensar.
2. Não bebo porque aprendi que, na verdade, nunca apreciei o gosto da bebida e que só a usava para acompanhar os parceiros.
3. Tenho certeza que o álcool ingerido de forma social é um fator agregador e transforma uma festa entre amigos num ambiente alegre e elegante.
4. Sou um razoável conhecedor de diversos tipos de bebidas (mantenho uma razoável adega em casa) o que me transformou num razoável anfitrião que sabe oferecer boas bebidas a suas visitas e tem prazer em vê-las sendo apreciadas.
5. Mantenho uma garrafa de uisque do Tenesse no bar de minha sala. Mas esta foi o Julio Conte que deixou ali para uso exclusivo do Tarcisinho.
6. Acho e tento dizer aos meus filhos adolescentes que beber não é ruim a não ser que isso se transforme na própria diversão. Diversão é diversão. Bebida é bebida.
7. Tenho uma saudade enorme do meu companheiro de boemia, Jesus Iglesias, que passou muitos anos brigando comigo porque eu não bebia e o acompanhava taco-a-taco nas peripécias notívagas.
O Jesus era um grande publicitário. Bebedor profissional e boêmio sênior.
Na década de 80, eu com vinte e poucos e ele com quarenta e poucos, éramos inseparáveis no circuito boêmio que elegemos. Começávamos no Bar do IAB. Ali pelas três passávamos para o Bar do Beto (o legítimo numa esquina da Venâncio Aires). Ali o Jesus já começava a implicar comigo, porque ele já estava no vigésimo chope e eu na água mineral. Saíamos dali pelas cinco e íamos jogar uma sinuquinha no finado Bar do Lola (na esquina da João Telles com a Oswaldo Aranha, ao lado da funerária). Eu perdia sempre. Terminávamos pelas seis e meia tomando um café no Alfredo (na esquina da Ramiro com a Cristóvão), sempre sob os impropérios desferidos por eu ser um abstêmio/boêmio. Deixava o Jesus em casa (protestando contra mim) e seguia, sóbrio-boêmio, para o meu retiro.
Isso era feito de quarta à sábado, sem falha. Sempre. Religiosamente.
Eu continuo um boêmio, só que sem parceria. Sonho em passar noites em claro em botecos batendo papo com amigos. Não encontro parceria. Sabe porque? porque meus amigos cinquentões também, não aprenderam a curtir a noite sem beber.
Só me resta a boemia solitária da madrugada em minha casa, lendo um bom livro, vendo um filme, curtinhdo um Pink Floyd ou escrevendo por aqui.
O dia seguinte me espera (a partir da uma da tarde, claro) com uma claridade com a qual nunca vou me acostumar.
Quanto ao Jesus, teve um "piripaque" no fígado e foi tomar um uisquinho no céu. Já faz alguns anos. Perdi a parceria, porra!

Um comentário:

Anônimo disse...

Grande Zé !
Você está escrevendo muito bem, já esta na hora de escrever mais continuamente, nos deixa solitários aqui sem as suas palavras !
Muito legal o post, somos parecidos na boemia, só que de vez enquando tomo um chopinho para gelar a goela...

vítor Santantonio